terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Mundo português

1 - Escrever textos é extremamente aliciante. E quando se escreve para um projecto completo, com pés e cabeça como é este, dá-me um gostinho especial. Podendo escrever sobre aquilo que gosto e que de certa maneira quero... Tenho o caldinho feito.

2 - Faz hoje precisamente uma semana que Obama prestou juramento e fidelidade perante Deus (e mais uns milhões de pessoas) aos Estados Unidos da América. Como o meu caríssimo colega dos Negócios Estrangeiros já disse e muito bem, chegou o momento de se mudarem umas coisas, de se fazer história. Bem, a história vive-se a cada hora desde o passado 20 de Janeiro e as mudanças também. Para já, Obama assinou um decreto que manda encerrar Guantanamo e outro que congela alguns salários e regalias de altos funcionários.
Sinto-me a viver história, daquela que vai aparecer nos livros. Não é um 25 de Abril, mas muita coisa pode mudar no nosso mundo livre de hoje em dia.

3 - Deixando o apontamento político de parte, foquemo-nos agora na cultura propriamente dita.
Há duas pessoas que marcaram o final de 2008 de uma forma extremamente positiva. E quem diz 2008, diz 2088. Manoel de Oliveira e José Saramago são duas pessoas que já escreveram a sua história e a nossa também, cada um de sua forma.
O decano dos decanos do cinema já vai em 100 anos (70 de actividade), contabiliza a belíssima média de um filme por ano e não dá mostras de vir a abrandar nos próximos tempos. Uma lucidez fantástica, uma forma física que não dá mostra de quebras e uma vontade de trabalhar que deveria servir de exemplo a muita gente com menos de metade da idade de Oliveira. É certo que muita gente suspira de desalento quando se fala do Mestre, é certo que eu sou uma delas. Mas o cinema de Oliveira não é filme para as massas, não é cinema para vender. O cinema de Oliveira é muito mais que isso: um conjunto de simbolismos, intrigas, personagens completas (mesmo que por vezes sejam superficiais) e histórias que fascinam. Mais que merecida a homenagem em Cannes 2008, fica-se à espera de um Óscar honorário (?). Venha "Singularidades de uma Rapariga Loira" e o 101º aniversário.
José Saramago é a outra personagem portuguesa que merece destaque. Ao contrário de Oliveira, Saramago de 86 anos é uma pessoa mais frágil, quando de saúde falamos. Mas nem por isso menos lúcido e genial. Um génio que demora a entrar, a ser percebido. Demorei bastante tempo a perceber o seu nobel - tal como muitas outras pessoas - atribuído ao seu livro mais singelo (Memorial do Convento). Mas leia-se Ensaio Sobre a Cegueira, O Ano da Morte de Ricardo Reis e perceba-se, exija-se até o seu Nobel. E mais outro! Saramago esteve este ano muito débil, culpa de uma maldita pneumonia. Disse mesmo que esteve às portas da morte. Mas num milagre médico (como o próprio diria numa entrevista), olhou a morte de frente, enfrentou-a e venceu-a. Triunfal, a ela lhe arrancou o seu mais recente romance, A Viagem do Elefante. É o livro mais leve, mas é o mais pitoresco e a profundidade que dá às suas personagens em apenas 30 páginas absorve-nos completamente. Fica a faltar uma coisa a Saramago: que regresse a Portugal. Jurou nunca mais voltar, depois de Sousa Lara lhe negar a participação no Prémio Europeu de Literatura. Tudo porque... poderia ofender a comunidade católica. Ainda assim, não lhe perdoo a teimosia de viver na terrível Lanzarote, ilha vulcânica cinzenta e nada criativa. Portugal é um país belo, encantador, com tanto para inspirar Saramago para futuros romances. Talvez não queira descer ao nível de Sousa Lara ou de outros portugueses medianos. Talvez tenha medo de se sentir influenciado por uma sociedade que não o compreende. O certo é que Portugal é pequeno demais para uma mente como a de Saramago. Desde que ele continue a escrever, por mim está tudo bem.

1 comentário:

Unknown disse...

Não posso deixar de comentar um texto onde se fala de José Saramago. Um escritor absolutamente fantástico! Para mim, mais do que um escritor! Já vou a meio do novo livro e realmente é um livro muito mais leve mas igualmente espectacular! Em relação ao Manoel de Oliveira não conheço nem um único filme dele, nunca me chamou a atenção, embora uma vez quando estive com ele lhe tenha dito que já tinha visto um filme da sua autoria! Ficam os parabéns a estes dois grandes símbolos portugueses!